A ARTIGO 19 celebra a aprovação do Marco Civil da Internet pela Câmara dos Deputados no último dia 25. O Projeto de Lei (PL) ainda precisa ser aprovado pelo Senado e sancionado pela presidenta Dilma Rousseff para começar a reger a internet no Brasil. Após as revelações de Edward Snowden e durante as negociações para sua aprovação, diversas novas disposições foram adicionadas ao texto original, mas o panorama geral é positivo.
“O Marco Civil da Internet aprovado é uma garantia vital para a proteção do direito à liberdade de expressão online no Brasil. A ARTIGO 19 apoia essa lei verdadeiramente progressista, embora o Senado ainda possa melhorá-la. Poderia, por exemplo, excluir do texto as disposições sobre a guarda de registro por seis meses”, diz Paula Martins, diretora da ARTIGO 19 Brasil.
O Marco Civil da Internet é fruto de um grande processo de consolidação com forte participação da sociedade civil, incluindo plataformas online de comentários e debates. Ele traz garantias gerais para a liberdade de expressão, neutralidade de rede, exclusão digital e privacidade.
O grande destaque do PL é a garantia da neutralidade de rede. Outra disposição positiva é a proteção da privacidade e a responsabilidade dos intermediários na internet. Já o ponto delicado é que o PL obriga a guarda de registros pelo período de seis meses. As pressões por mudança devem se concentrar neste ponto durante a análise do Senado.
A intenção do governo brasileiro é a de sancionar a lei durante o NetMundial, evento sobre governança na internet que será realizado em São Paulo nos dias 23 e 24 de abril.
Pontos positivos
A ARTIGO 19 acredita que são características positivas do PL do Marco Civil:
O respeito à liberdade de expressão on-line, bem como o modo que as pessoas usam a internet hoje
Um dos princípios do PL é o respeito à liberdade de expressão online assim como à forma como as pessoas usam a internet hoje. O artigo 8 do texto reforça que a liberdade de expressão é uma condição para o exercício pleno do direito ao acesso à internet.
Garantia da neutralidade de rede
Depois de um longo debate entre deputados, o ponto que garantia a neutralidade de rede foi mantido sem as mudanças que alguns dos parlamentares desejavam realizar. Trata-se de um princípio que diz que a Internet e todos os dados devem ser tratados de forma igual, sem a existência de cobrança de valores diferentes ou qualquer outro tipo de discriminação por usuário, conteúdo ou outras questões. O texto final da PL permite apenas a discriminação do tráfego ou sua redução de velocidade por motivos emergenciais ou técnicos.
Recomendações de adoção de padrões e dados abertos
O PL diz explicitamente no artigo 24, item 5, que o setor público tem que dar preferência para a adoção de tecnologias livres e abertas.
Proteção da privacidade
O PL permite o acesso a conteúdo de comunicação apenas com uma ordem judicial. Nesta questão, o Marco Civil está na vanguarda das legislações da internet no mundo todo, pois assegura que o poder judiciário é o único capaz de permitir acesso a qualquer conteúdo de comunicação.
Restrições à conexão de internet não são permitidas
Independentemente do tipo de conteúdo que você acessa ou compartilha na internet, ninguém poderá desconectá-lo, exceto em casos de falta de pagamento.
Proibição de transferência de dados pessoais de terceiros sem autorização
O PL do Marco Civil determina que os dados pessoais não sejam fornecidos a governos por empresas.
Proibição de coleta de dados sem permissão
Atualmente, é comum ver empresas coletando todos os dados possíveis de usuários sem o consentimento destes ou autorização judicial. O PL determina que isto não poderá ser mais feito.
Garantia de exclusão de dados pessoais quando a pessoa decidir não mais utilizar um serviço online
Este ponto se insere na ideia de que dados não usados são dados “mortos”, e que desta forma não podem ser comercializados por empresas ou ainda servir para outras finalidades.
Servidores de serviço não estão autorizados a reter dados de acesso
Trata-se de um ponto fundamental para a privacidade dos usuários.
Provedores de serviço não detêm responsabilidade por conteúdo
Os provedores não têm nenhuma responsabilidade pela ação dos usuários. A única penalidade contra o provedor neste caso acontecerá apenas se ele não atender a uma ordem judicial que determine a remoção de um conteúdo.
Obrigação por parte do Estado em ter um plano para enfrentar os desafios de inclusão digital
Este ponto, especificado no artigo 28, pretende estimular o governo a estabelecer metas, planos e uma agenda específica para o uso e desenvolvimento da Internet.
Obrigação de adoção do modelo “multistakeholder” de governança da Internet em todos os níveis da federação
Como definido no artigo 24, no item 1, é necessário estabelecer mecanismos de governança democrática, colaborativa e transparente com a presença de todos os setores da sociedade.
Pontos negativos
A ARTIGO 19 acredita que o PL do Marco Civil precise ser melhorado nos seguintes aspectos:
Obrigatoriedade da retenção de registros por seis meses
A retenção desse tipo de informação é um risco para a privacidade e liberdade de expressão, pois pode incorrer em vazamento de informações pessoais a empresas ou governos sem o consentimento do usuário. Este ponto também não permite modelos de negócios que não trabalhem com a retenção de dados.
Respeito ao modelo de negócios como um princípio do projeto de lei
Princípios são linhas-guias para a interpretação de uma lei e devem ser baseado nos direitos fundamentais. O respeito a modelos de negócio é um ponto importante, mas não se trata de um direito fundamental.
Falta de garantias para a exclusão de registros
A lei não faz uma abordagem específica sobre a exclusão de registros, dando assim margem para que empresas retenham essas informações.
Possibilidade de acesso a dados pessoais por autoridades do governo
A lei permite que autoridades do governo possam acessar dados pessoais, como qualificação pessoal, filiação e endereço.
Ausência de limites de tempo para pedidos de retenção de dados
Provedores devem reter dados por mais de um ano diante de um requerimento feito por autoridades. No entanto, o PL não determina um prazo para que essa retenção de dados termine.
Notificação e remoção instantânea para casos de publicação de conteúdo pornográfico como vingança (revenge porn)
Apesar de casos de revenge porn causar sérios problemas para as vítimas, os provedores de internet não devem ser os responsáveis por tomar decisões de remoção de conteúdos, uma vez que não se encontram nas melhores condições para julgar se o conteúdo é legal ou não. Nestes casos, apenas tribunais poderim fazer um julgamento adequado.
Criação de tribunais especiais para casos de difamação
Especificar cortes especiais para casos de difamação pode encorajar pessoas a cobrar por possíveis danos à própria imagem em um contexto em que a legislação sobre difamação e mesmo decisões judiciais no Brasil acerca do tema não estão totalmente alinhadas com padrões internacionais de direitos humanos.
A ARTIGO 19 cobra dos senadores que não proponham emendas que possam trazer prejuízos aos aspectos positivos do PL do Marco Civil, e ainda os incita a aprová-lo o mais cedo possível. É preciso ter em mente que o Marco Civil da Internet pode se tornar uma lei progressista de referência para diversos países na proteção à liberdade de expressão online.