A ARTIGO 19 lança hoje, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, o relatório Violações à Liberdade de Expressão – 2015. O trabalho compila e analisa graves violações (ameaça de morte, tentativa de assassinato e homicídio) cometidas em função do exercício da liberdade de expressão contra comunicadores em 2015 no Brasil.
São considerados comunicadores jornalistas, radialistas, blogueiros, fotógrafos e midiativistas (ativistas que realizam algum tipo de cobertura midiática).
No total, a ARTIGO 19 registrou 35 casos de graves violações, um aumento de 67% em relação aos números do relatório passado, que registrou 21 casos. Foram 22 ameaças de morte, sete tentativas de assassinato e seis homicídios (o dobro em relação ao ano anterior).
A região com maior número de casos foi o Nordeste, com 57% do total (20 casos), invertendo tendência em relação a anos anteriores, quando o Sudeste despontava com o maior número de ocorrências. Apenas o estado do Maranhão apresentou sozinho 20% (7 casos) de todas graves violações registradas.
No recorte por tamanho de cidade, as cidades pequenas (de até 100 mil habitantes) continuam sendo os locais de maior risco para comunicadores com 74% do total (26 casos).
Já no que diz respeito ao perfil dos suspeitos de serem os autores das violações, a tendência também se mantém a mesma em relação a estudos passados. Praticamente a metade (17 casos) das violações compiladas tem como principais suspeitos agentes do Estado, especialmente políticos e policiais – dado que tem relação com o fato de as violações ocorrerem em cidades pequenas.
Na análise das motivações, 60% (21 casos) das violações foram cometidas em função de denúncias de irregularidades na gestão pública feitas pelas vítimas. Críticas ou opiniões emitidas motivaram 23% dos casos, enquanto que investigações e apuração de informações, 17%.
“Os números do relatório mostram que, apesar de uma ou outra novidade, o modus operandi segue praticamente o mesmo, com as violações perpetradas por agentes públicos se mostrando uma forma de silenciamento de comunicadores que realizam denúncias. Nossa pesquisa identificou também uma generalizada falta de transparência nas investigações e um grave cenário de impunidade, reflexo não apenas da ausência de recursos, mas também de negligência por parte do Estado brasileiro”, afirma Paula Martins, diretora-executiva da ARTIGO 19.
“Muitas das vítimas de homicídio e de tentativas de assassinato receberam repetidas ameaças antes. Nesse sentido, é de fundamental importância que o Estado brasileiro desenvolva políticas públicas preventivas para garantir a segurança e a vida de comunicadores em situação de vulnerabilidade”, acrescenta.
O relatório traz ainda capítulos específicos dedicados a analisar as violações contra blogueiros e radialistas – duas categorias que apresentaram grande número de casos – e um sobre a questão da falta de investigações conclusivas a respeito dos crimes. Há também uma entrevista com a blogueira Lola Aronovich, que aborda a situação da mulher nos meios de comunicação, e relatos do blogueiro Leonardo Sakamoto e do radialista e líder sindical José Antônio Jesus da Silva, presidente da Fitert (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão).
Esta é a quarta edição do relatório “Violações à Liberdade de Expressão”, que teve sua primeira edição publicada em 2013. Confira aqui os outros relatórios.
Recomendações ao Estado brasileiro
- Desenvolver de forma constante estudos que visem identificar as causas e os focos principais da violência contra comunicadores elaborar recomendações a diferentes instâncias governamentais para atuação direta e estratégica sobre tais causas e focos;
- Oferecer proteção imediata aos comunicadores que sofreram tentativas de assassinato ou estão ameaçados de morte;
- Garantir um mecanismo nacional de proteção para comunicadores, que atue em todos os estados da Federação, com medidas desenhadas para esses profissionais tendo em vista suas vulnerabilidades e as atividades que desempenham; Ou garantir a inclusão da categoria de comunicadores no já existente Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do governo federal com a devida adaptação do programa para atender comunicadores e devida divulgação desse serviço aos profissionais;
- Aprimoramento e fortalecimento do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) para que ele se consolide como uma política pública efetiva de proteção de defensores de direitos humanos e de comunicadores;
- Treinar funcionários e agentes públicos, incluindo aqueles que trabalham para o cumprimento das leis, sobre como oferecer uma resposta rápida e efetiva quando um comunicador é ameaçado e sobre qual é o procedimento adequado para encaminhar solicitações de medidas protetivas;
- Articular autoridades locais em todos os estados para que possam responder de maneira mais rápida a emergências de segurança de comunicadores;
- Criar um observatório público de crimes contra comunicadores, divulgando o status de apuração e punição de cada crime e dados estatísticos e informações relevantes sobre os crimes em geral, dando especial atenção a comunicadores não formalizados que não têm seus dados coletados e sistematizados por organizações de classe ou entidades representativas.
- Articular autoridades de todos os níveis federativos, instruindo-as a acompanhar e divulgar para a sociedade dados sobre os casos que não estejam sob segredo de justiça, priorizando os familiares das vítimas e os advogados;
- Ampliar o número de autoridades que podem solicitar a federalização das investigações de crimes contra direitos humanos, ou seja, quando houver possibilidade de envolvimento de autoridades locais ou de outros organismos do governo, tal investigação deverá ser transferida para outra autoridade fora da jurisdição ou esfera de influência dela.
- Incentivar as empresas jornalísticas a oferecerem treinamentos de segurança e autoproteção, além de equipamentos seguros aos profissionais de comunicação empregados ou freelancers;
- Gerar informações de inteligência para prevenção de crimes de homicídios e tentativas de assassinato contra comunicadores, sem violar a privacidade dos cidadãos. Acordos e cooperações devem ser estabelecidos entre instituições com essa finalidade;
- Facilitar o trabalho de organizações da sociedade civil e de mídia que acompanham questões referentes aos direitos humanos, reconhecendo a importância desse trabalho como parte do processo de combate às violações e priorizando a transparência nas relações com essas organizações para que elas possas acompanhar as iniciativas do Estado no combate a violência contra comunicadores;
- Facilitar a vinda de Relatores Especiais de organismos internacionais para acompanharem a situação da liberdade de expressão no Brasil.